O trabalho liberta-te!

Sachsenhausen foi um dos primeiros campos de concentração alemães. Localizado a 30 km de Berlim, destinava-se, num primeiro momento, a políticos opositores do regime nazi, depois a judeus, homossexuais e sem abrigo, estes na limpeza necessária da cidade aquando dos jogos Olímpicos de Berlim. Só mais tarde recebeu prisioneiros estrangeiros, sobretudo soviéticos. Este espaço de trabalhos forçados era só para homens.

O campo de Sachsenhausen não é comparável, em dimensão, com Auschwitz onde morreram mais de 1 milhão de pessoas. Mas neste pequeno espaço com capacidade para acolher cerca de 1.000 prisioneiros, foram assassinadas mais de 50.000 pessoas. O regime nazi chegou a ter 42.000 espaços destes em todo o território ocupado que funcionavam em rede, transferindo presos duns para outros, consoante a necessidade. Cada um deles podia inovar na arte terrífica da tortura

O campo originalmente foi construído próximo do centro da cidade de Oranienburg. O objetivo era que os locais escutassem o sofrimento e a tortura e assim ficassem “vacinados” quanto à obediência ao regime. A militância local era levada tão a sério que os prisioneiros quando eram levados da estação de comboio até ao campo eram apedrejados pelos habitantes da povoação. A propaganda ajudava a criar neles a ideia de que eram pessoas perigosas e criminosos. Os guardas das SS organizavam barbecues com os moradores ao fim de semana para cultivar boas relações de vizinhança, imaginem. Mais tarde, a dimensão do massacre era de tal ordem que foi construída uma unidade num espaço mais periférico.

A forma do campo, em triângulo, permitia um controle eficaz com metralhadora em cada extremo. Mais tarde revelou-se pouco eficaz para futuras ampliações. O modelo foi abandonado.

O campo era de trabalhos forçados, de dois tipos. A produção de tijolos para construir a nova capital mundial sonhada pelo ditador mas que servia para eliminar os opositores mais odiados pedindo-lhes tarefas impossíveis, nomeadamente o transporte de tijolos à cabeça em pavimentos molhados, sucumbindo afogados. E como teste de novos modelos de calçado, masculino e feminino. Também para alguns dos prisioneiro, tinham de andar 42 km por dia com os sapatos, independentemente do número. A “maratona” tinha graus de dificuldade acrescida, andar num só pé e com mochilas pesadas. Ao fim de uma semana de testes, muitos sucumbiam. As marcas de sapatos eram de referência (Salomon?).

Se forem sensíveis, fiquem por aqui. Não leiam
mais. A descrição do que aconteceu é forte. Muito forte. Um murro no estômago.

O método para eliminar os presos era de um sadismo inimaginável. Os guardas vestiam-se de médicos e pediam aos presos para se medirem. Por detrás da régua de madeira, era disparado um tiro certeiro na cabeça. Para eliminar os corpos, estes eram cremados. 600 por dia. Às vezes ainda estavam vivos. As crianças das redondezas queixavam-se do cheiro incomodativo.

Quando chegava um grupo novo, estes esperavam sem roupa várias horas pelos uniformes à porta do campo. No inverno com menos 20 graus. Muitos morriam.

O Holocausto foi responsável por 17 milhões de mortos. A organização militar SS foi uma das principais responsáveis por este massacre. Era constituída por uma elite, escolhida a dedo. Gente educada capaz das maiores atrocidades. Eram descritos como pessoas normais.

Passados mais de oitenta anos do fim da IIGG, Oranienburg parece não conseguir livrar-se da infeção. Os partidos de extrema direita (neo-nazis) têm por aqui apoios fortes e uma votação elevada nas eleições.

Podemos continuar a achar que isto é longe e que a história não se repete. Mas talvez seja prudente recordar o poema de Martin Niemoller, capturado e preso em Sachsenhausen

“First they came for the socialists, and I did not speak out—because I was not a socialist.
Then they came for the trade unionists, and I did not speak out—because I was not a trade unionist.
Then they came for the Jews, and I did not speak out—because I was not a Jew.
Then they came for me—and there was no one left to speak for me”

O elogio dos pequenos lugares globais (de onde se alcança o universo)

O sonho de um qualquer lugar é crescer, ter mais residentes, mais movimento e vida social, cultural e económica. Os rankings urbanos, por exemplo, valorizam mais a quantidade (de pessoas, empresas ou riqueza) do que a qualidade. Não por acaso, o desejo normal de uma vila é ser cidade. Um diploma anacrónico permitiu que se criassem mais de 150 em Portugal, algumas com pouco mais de 1.000 habitantes.

Mas há caminhos alternativos para os lugares se tornarem relevantes, independentemente da sua geografia ou dimensão. Saskia Sassen, socióloga e estudiosa da “Cidade Global”, defende que todos os lugares têm micro-histórias que podem fazer deles lugares diferentes e atraentes e, por isso, com impacto global. O desafio, diz, passa por ir caminhando pelas ruas e conversando com as pessoas para ir à procura desses testemunhos.

Em Portugal, há muitos pequenos lugares globais, uns impulsionados por iniciativa pública, outros pelo esforço da sociedade civil. No concelho de Oliveira do Bairro, por exemplo, a Promob – Associação de Promoção e Mobilização da Comunidade de Bustos, Troviscal, Palhaça e Mamarrosa é um desses exemplos. Organiza neste fim de semana o Festival Semente. Propõe-se criar um “espaço de partilha e interação, propondo o livro e a leitura como modo, e a sustentabilidade ambiental como mote”.

Ontem ao fim da tarde a Promob juntou cientistas, artistas, escritores, ativistas e filantropos numa conversa muito estimulante sobre o valor da terra e a sua ligação à cultura.

Retive três ideias. A primeira foi a importância da qualidade do nosso enraizamento para que, apesar da distância a que possamos estar da nossa origem ou dos nossos lugares fundacionais, os tenhamos sempre como referência. A segunda é o valor da cultura como a arte do cuidar, o cuidar das tradições, das memórias e das expressões, mas também da relação com os outros e do diálogo dos diferentes saberes. E, por último, o alerta para lembrar a urgência da compreensão do tempo. Do tempo finito da nossa existência e do tempo escasso que temos para agir para que a vida na terra não se torne insustentável. Um dado, se a temperatura da terra aumentar 3 graus, 70% das espécies acabam. A espécie humana não desaparecerá mas tornar-se-à, toda ela, refugiada climática.

Que bela e desafiante semente nos deixa a Mamarrosa, uma terra fértil que, como referiu o Professor Carlos Fiolhais citando Alberto Caeiro, é do tamanho do que vê (ou nos permite ver) e não do tamanho da sua altura…

Parabéns pela excelente iniciativa e conversa
Ricardo Regalado
Oriana Pataco Carlos Fiolhais Ulisses Azeiteiro
Catarina Pereira

no Pós-Autárquicas: ecos de uma Conversa de Vizinhos

 “No pós-Autárquicas 21” é uma iniciativa que retoma a “Agenda Cidadã 2030” identificando os desafios que se colocam aos cidadãos e às entidades capazes das respostas necessárias à melhoria sustentada da nossa vida coletiva (*1).

1-

O futuro devia interessar-nos a todos pois é o lugar onde vamos passar o resto das nossas vidas, dizia, sem ironia, o comediante George Burns. Sendo isso verdade, há várias questões que cada um de nós pode e deve colocar: em que futuro queremos viver?, que caminhos alternativos existem para lá chegar?, que papel podemos ter nessa viagem?

Os atos eleitorais são um dos raros momentos de escolha de rumo até ao lugar de que fala Burns. Lamentavelmente, cada vez menos pessoas desejam participar nessas escolhas, e dos que votam normalmente uma parte não conhece as propostas em sufrágio. Estranhamente, pouco tem sido feito para tornar as escolhas coletivas mais informadas e participadas.

Respondendo a este desafio, os Vizinhos de Aveiro organizaram-se e criaram uma oportunidade para os seus concidadãos questionarem publicamente as oito candidaturas que concorriam às eleições para o Município de Aveiro, que prontamente aceitaram o repto, em conversas on-line de 60 minutos moderadas por jornalistas reputados, Maria José Santana do Público/Aveiro Mag. João Paulo Costa do Jornal de Notícias e Ivan Silva do Diário de Aveiro.

Os eventos foram transmitidos em várias páginas e grupos Facebook que se associaram à iniciativa e chegaram, no seu conjunto, a mais de 8.000 visualizações.  Para além disso, os Vizinhos disponibilizaram no seu site https://vizinhos-aveiro.pt/autarquicas-2021/ os programas eleitorais das várias candidaturas para que os cidadãos antes de escolher pudessem lê-los e, se tivessem dúvidas, questionar os candidatos.

2-

No passado dia 26 de setembro, os eleitores aveirenses votaram e deram uma maioria expressiva à Aliança com Aveiro, reforçando a votação obtida há quatro anos (mais 762 votos, um aumento de 4,5%). A coligação Viva Aveiro teve um resultado muito abaixo do somatório do PS e PAN, com menos 2.954 votos, uma redução de 24,9%. Em resultado desta escolha, a Aliança fica com seis eleitos no executivo (51,3%) e a Viva Aveiro com três (26,0%). Para além destes resultados, a CDU perdeu 18% e o Bloco de Esquerda 7%, tendo este mantido a terceira posição, não conseguindo, no entanto, eleger o vereador desejado. O partido Chega ultrapassou a CDU como quarto partido mais votado. A IL, o Nós Cidadãos e o PCTP MRPP fecharam a lista.  Lamentavelmente, a abstenção aumentou para um valor próximo dos 51,5%, um valor semelhante ao dos últimos atos eleitorais locais.

3.

A necessidade de compreender os resultados eleitorais levou o coletivo “Vizinhos de Aveiro” a promover, na noite do passado dia 28 de setembro, uma conversa de balanço e de perspetiva de futuro, cujo conteúdo pode ser ouvido no Facebook dos Vizinhos de Aveiro.

Estiveram presentes os oitos candidatos, mesmo os que saíram derrotados, numa conversa aberta e franca, reveladora de uma maturidade democrática assinalável, o que deve ser enaltecido. Os dois comentadores convidados, Filipe Teles e Pompílio Souto, ofereceram-nos uma leitura útil e relevante para compreender os resultados e para perspetivar o futuro.

Do diálogo realizado, saíram quatro mensagens fortes.

Primeiro, que as agendas que os partidos apresentaram aos cidadãos não corresponderam ao que eles desejam ou que os preocupa verdadeiramente. Há efeitos bolha (por exemplo o que ocorre em circuitos fechados, como o das redes sociais virtuais) que ampliam determinadas questões e que lhes conferem um peso e importância exagerada, podendo dar uma ideia errada do que são as verdadeiras preferências dos cidadãos.

Segundo, que a abstenção eleitoral mostra um descontentamento com o sistema político partidário o que não significa que os cidadãos não se interessem com a sua vida coletiva. Porventura, poderão estar mais disponíveis para outras formas de participação, nomeadamente cívica.

Terceiro, e quanto ao futuro, será necessário atender melhor às preocupações dos cidadãos que não têm voz, sobretudo os que sentem que os seus problemas não possuem a centralidade necessária na agenda política e mediática (os idosos, os jovens, os estudantes, as famílias, os migrantes, as pessoas com condição económica e social mais frágil) e essa agenda tem de ser disputada ao longo do mandato (por quem governa e pelas oposições) e não no período eleitoral.

Quarto, houve apelos a um estilo de governação, com um modelo mais aberto, de procura de consensos e de mobilização dos vários atores públicos, privados e da sociedade civil organizada, com visão estratégica e assertividade nas apostas.

Que o próximo mandato mobilize partidos e cidadãos para responder a estes desafios!

(*1)       A Iniciativa “No pós-Autárquicas 21” que retoma a “Agenda Cidadã 2030” identificando os desafios que se colocam aos cidadãos e às entidades capazes das respostas necessárias à melhoria sustentada da nossa vida coletiva;

A “Agenda Cidadã 2030” é o resultante de uma Iniciativa da PLATAFORMAcidades que envolveu a CMA, UA e os 20 mais relevantes decisores da Cidade-região identificados num Estudo da FFMS – a Qualidade da Governação Local – coordenado por Filipe Teles (e outros).

Ver mais no “blogue da plataformaCIDADES

NOTA: Veja outros textos desta série no Blogue Plataforma Cidades || Contacte-nos: plataformacidades.op@gmail.com

(*) José Carlos Mota é Prof. na Universidade de Aveiro e membro da PLATAFORMAcidades – grupo de reflexão cívica

O velhinho Parklet é o novo “Cavalo de Tróia” do urbanismo pós-pandemia

Ao contrário do que parece, os parklets que hoje se multiplicam nas nossas cidades não são uma invenção recente. Foram criados em São Francisco no início dos anos setenta pela mão da arquiteta paisagista Bonnie Ora Sherk como uma intervenção artística que visava chamar à atenção para os problemas ambientais e de imagem urbana de algumas zonas periféricas da cidade, tendo sido batizados como “portable parks” (as fotografias abaixo são as primeiras intervenções feitas em SF).

É interessante como cinquenta anos depois esta forma de resgate do espaço público para as pessoas, contemporânea das obras “Le droit à la ville” de Henry Lefebvre e “Life Between Buildings” de Jan Gehl, permanece tão atual e se alastrou em tantas cidades, com um impulso significativo neste ano de pandemia.

Portugal não ficou de fora desta transformação tática urbana, como mostra a reportagem da jornalista Raquel Albuquerque no Expresso. Do trabalho de investigação realizado em doze cidades portuguesas, contabilizaram-se mais de 500 lugares de estacionamento ganhos para a função pedonal – alguns como espaço público (Sparqs e Aveiro Parklet – Uma Micro Praça em cada Rua são duas referências importantes) outros em modelo esplanada – o equivalente a doze praças acolhedoras do tamanho do Largo da Achada em Lisboa ou da Praca Melo Freitas em Aveiro, com um custo muito reduzido.

Trata-se de uma forma subtil de resgate do espaço público para a fruição pedonal apoiada por uma coligação poderosa, normalmente pouco mobilizada – as autarquias, os comerciantes e os moradores de proximidade. O desconfinamento permitiu a entrada deste “Cavalo de Tróia” na “cidade fortificada” do automóvel, espero que para ficar. Contudo, para que estas micro-praças ganhem raízes é fundamental um esforço concertado de políticas públicas urbanas que dê coerência formal e funcional a estas intervenções. Acho que se chama planeamento! 🙂